Há duas ou três décadas, a palavra “ayahuasca” era praticamente desconhecida fora do território amazônico. Esse termo indígena, de origem quíchua, é comumente traduzido como “cipó das almas” e designa um tipo de planta trepadeira e também as bebidas feitas com esse cipó e outras plantas.
Hoje, no entanto, a situação mudou. As bebidas e os rituais ganharam o mundo, em cerimônias importadas (e pastichizadas) para dezenas de países, ainda que a substância continue sendo ilegal em muitos deles. Durante esse processo de globalização da ayahuasca, as crenças, saberes e vivências atreladas a ela foram se modificando, ao ponto em que se tornou dificílimo reconhecer nessa nova moda o que seria, verdadeiramente, uma “prática ancestral tradicional”.
Em um artigo publicado em março de 2021 na revista Current Anthropology, os pesquisadores Alex Gearin e Oscar Saez resolveram investigar as transformações desses rituais. Para isso, analisaram cerimônias praticadas na Austrália e chegaram à conclusão de que elas poderiam muito bem ter ocorrido em diversos outros locais do mundo, uma vez que as interpretações e os discursos sobre a ayahuasca encontrados por lá vieram de uma noção europeia de individualidade, que conflita com vivências e noções ameríndias amazônicas. Nas cerimônias da floresta, a noção de “eu” está profundamente associada ao coletivo, e é enraizada naquele povo específico.
Os autores sugerem que as interpretações globalizadas das vivências com ayahuasca são centradas demais nos indivíduos, trazendo apenas as visões que as pessoas têm de si mesmas.
Conforme se aprofunda a crise do antropoceno e aumenta o número de pessoas buscando na ayahuasca o alívio para “seus” males, cabe a todos refletirmos sobre o papel da individualidade, do egoísmo e egocentrismo excessivos, tanto nas nossas crises, como em suas possíveis resoluções.