Psicodélicos são eficazes para tratar distúrbios mentais graças à ação das substâncias no cérebro humano – ou por causa dos impactos alucinógenos e psicológicos que geram nos pacientes? Eis a pergunta de um milhão de dólares.
A mais recente e acalorada controvérsia entre pesquisadores de substâncias psicodélicas não é exatamente nova. Desde que começaram a ser investigados, cientistas vêm debatendo se é necessário ou não ter experiências de alteração de consciência para que esses agentes funcionem – sem respostas conclusivas até agora.
Recentemente, novas informações surgiram para esquentar a discussão.
Na atual edição especial sobre psicodélicos da revista ACS Pharmacology and Translational Science, o cientista David Olson, da Universidade da Califórnia, sugere que seja possível separar os efeitos subjetivos das substâncias de seus efeitos sobre as sinapses cerebrais. Para isso, ele cita alguns resultados recentes de seu laboratório. Nos estudos conduzidos por ele, foram usadas moléculas novas, sintetizadas no próprio laboratório, análogas a outras substâncias psicodélicas mais conhecidas, como a ibogaína ou a 5-MeO-DMT, também chamada de 5meo. Os resultados, bastante detalhados e de qualidade impressionante, sugeriram que elas podem modificar a plasticidade cerebral e o comportamento depressivo, mesmo sem causar efeitos alucinógenos. Ele chama essas novas moléculas de “psicoplastógenos”.
Se a hipótese for comprovada, o autor propõe que os efeitos subjetivos possam não ser necessários para se obter respostas terapêuticas – o que viabilizaria o uso em larga escala desses tratamentos, uma vez que dispensaria a psicoterapia comumente associada aos tratamentos clássicos com psicodélicos. O acompanhamento psicológico estendido e individualizado é, hoje em dia, o grande gargalo desse tipo de terapia para a população em geral.
Mas – e sempre há um “mas” -, existe uma importante limitação nessa conclusão. Os estudos do Dr. Olson até agora foram todos feitos em roedores. E, como se sabe há anos, modelos animais em psiquiatria costumam ser bem limitados. Os problemas já aparecem de início: como discernir com certeza quais drogas têm efeitos psicodélicos e quais não, se os participantes são roedores?
No início da pesquisa psicodélica, modelos animais não foram muito úteis. Ainda nos anos 50, inúmeros laboratórios falharam ao tentar isolar a psilocibina e a psilocina dos cogumelos Psilocybe a partir de experimentos com roedores. Só foi possível isolar esses princípios ativos apenas quando o químico suíço Albert Hofmann resolveu ingerir por conta própria os cogumelos. Hofmann, o inventor do LSD, conseguiu determinar, graças a sua experiência subjetiva, que se tratavam de triptaminas semelhantes.
Mas as limitações dos modelos animais vão além das pesquisas com psicodélicos, especificamente. Alguns estudos estimam que 92 a 96% das moléculas utilizadas em testes com animais fracassam nas etapas de pesquisa clínica – que são realizadas com voluntários/as humanos. No caso da depressão, um distúrbio complexo e de difícil tratamento, críticos apontam há décadas que as limitações dos modelos animais são parte importante do problema.
O outro lado
Já outro artigo da mesma edição especial dedicada aos psicodélicos defende o exato oposto do proposto por Olson. Os pesquisadores David Yaden e Roland Griffiths, da Universidade Johns Hopkins acreditam que a experiência psicodélica subjetiva seja, sim, necessária para atingir resultados terapêuticos. O grupo de pesquisa da Johns Hopkins é um dos mais antigos no mundo, funciona desde meados da década de 90 e foi um dos grandes responsáveis pela chamada “renascença psicodélica”. Lá já foram realizados estudos de psilocibina em pacientes terminais, com depressão, tabagismo, voluntários saudáveis e até mesmo em monges durante a meditação.
Os estudos da John Hopkins indicam que os resultados terapêuticos para tratar depressão e tabagismo, por exemplo, são notoriamente mais relevantes quando os efeitos subjetivos dos pacientes são mais intensos, e incluem algumas características particulares, como catarses emocionais ou experiências místicas. A diferença de resultados persiste até mesmo em análises estatísticas.
Correlação, sabemos, não indica causalidade – mas os pesquisadores entendem que já exista um grande número de estudos mostrando estas correlações, o que poderia apontar para uma possível relação de causa e efeito. Estudos qualitativos, que olham para as interpretações dos pacientes, também indicam a mesma direção.
Mas há uma maneira de resolver esse imbróglio de anos. Todos os três autores concordam que o caminho está em um estudo que administre psicodélicos a pacientes totalmente anestesiados. Assim, se for demonstrado que os voluntários não tiveram experiências conscientes durante a anestesia (o que acontece em alguns casos), nem detiveram memórias do evento, e ainda assim alcançarem resultados terapêuticos duradouros, venceria a hipótese de que os efeitos psicodélicos não seriam necessários para o tratamento.
Curiosamente, controvérsias como essa existem desde o início do envolvimento da ciência ocidental com as substâncias, geralmente extraídas de cogumelos e plantas. Historicamente, a maior parte dos cientistas costumava interpretar os efeitos alucinógenos ou psicotomiméticos de forma pejorativa e patologizantes, enquanto que uma minoria outros exagerava o impacto da experiência subjetiva, especialmente do tipo mística, acreditando estar justamente aí a solução para inúmeros problemas globais.
Seja como for, fato é que muitos pacientes que vivem experiências psicodélicas subjetivas em contextos seguros e acolhedores as classificam como alguns dos acontecimentos mais importantes de suas vidas. Esses relatos reverberam o conhecimento de povos tradicionais de todas as regiões do mundo, que utilizam plantas de poder e cogumelos há séculos, senão milênios.
Diante de tudo, o que fica claro é que a administração controlada e cuidadosa de psicodélicos em contextos de psicoterapia realmente tem resultados terapêuticos espetaculares – algo de que vamos precisar cada vez mais para enfrentar este imprevisível século 21.
Texto de Karin Hueck