Não, MDMA não causa danos no cérebro

O MDMA ainda sofre com a má fama causada por um estudo de quase 20 anos atrás. Quer entender como erros no fazer científico – e depois na sua divulgação – podem atrapalhar o avanço da medicina? Peguemos um dos exemplos mais escandalosos da literatura médica e farmacológica recente. Um artigo publicado em 2002 na mais aclamada revista científica do mundo, a Science, declarou: MDMA poderia causar graves danos ao cérebro.

A notícia disparou e rapidamente circulou o mundo inteiro em tons estridentes. O maior jornal dos EUA, o New York Times, chegou a afirmar: “a quantidade de ecstasy que um usuário recreativo toma em uma noite pode já ser o suficiente para causar danos cerebrais permanentes”. Isso se deu principalmente porque era o tipo de informação que combinava com a visão tradicional que se tem sobre substâncias psicodélicas: de que são extremamente perigosas e nocivas.

Até que outros especialistas resolveram dar uma olhada no estudo.

Logo detectaram uma série de dados estranhos e conclusões que não faziam sentido. Assim, resolveram questionar os autores do estudo original, que acabaram confessando um erro obsceno: ao contrário do que haviam afirmado, os cientistas não haviam utilizado MDMA nos seus experimentos com macacos – mas, sim, meta-anfetamina, duas substâncias distintas. Aos autores do artigo não restou nada a não ser admitir a lambança e publicar uma retratação em 2003.

Mas já era tarde demais. Ao menos 26 dos maiores jornais dos EUA, como o New York Times e o Washington Post, publicaram notícias sobre o estudo falso, em 2002, mas apenas metade publicou sua retratação. E mais: muitas das reportagens sobre o grande erro no estudo original eram mais curtas e não continham informações importantes para contextualizar o engano. Isso obviamente ajudou a perpetuar o preconceito contra drogas que são usadas de forma recreativa – mas que também possuem potencial médico, como o MDMA.

Foi isso que concluiu um estudo publicado no Journal of Psychoactive Drugs em novembro de 2020, que analisou os impactos na mídia do artigo falso. O comportamento é um aspecto comum no jornalismo: as notícias originais costumam ser muito mais lidas do que a admissão de erros que eventualmente possa seguir. Isso só reforça a importância da checagem de dados e de entrevistas com especialistas no assunto.

Ainda hoje encontramos, no Brasil, profissionais de saúde e médicos que se referem vagamente aos efeitos tóxicos do MDMA, mas que desconhecem a história completa. Como as pesquisas recentes mostram, quando o MDMA é fabricado com controle de qualidade e administrado em contexto terapêutico sob supervisão médica, ele tem, sim, enorme potencial no tratamento de traumas graves. Já quando obtido de forma ilícita, onde é apelidado de ecstasy, bala, molly etc, mais de metade das doses sequer contém a substância MDMA, além de virem acrescidas por até 500 contaminantes. Por isso, é tão importante diferenciar as duas situações.

LINK: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/02791072.2020.1847365?forwardService=showFullText&tokenAccess=WMPJ56VGKSMTQRWXU7VE
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