NYU abre centro de pesquisa em medicina psicodélica

Chegou a hora da Universidade de Nova York (NYU, na sigla em inglês) ter o seu próprio centro de pesquisa dedicado à medicina psicodélica. Depois de angariar US$ 10 milhões em doações, o NYU Langone Center for Psychedelic Medicine vai abrir as portas. Metade desse dinheiro veio da empresa de biotech MindMed, que produz as substâncias.

Além de focar em psiquiatria, medicina e testes pré-clínicos, o novo instituto terá um programa de pesquisa em psicodélicos para acadêmicos em início de carreira, assim como para pós-doutores, que será incluída à NYU. “Se a medicina psicodélica continuar demonstrando seu grande potencial clínico, o volume de pesquisa na área seguirá explodindo. Vamos precisar de pesquisadores com experiência para conduzir os testes. Nosso centro ajudará a atender a essa necessidade”, disse Michael P. Bogenschutz, diretor do novo centro, em entrevista à revista Forbes, em fevereiro de 2021.

Mas o centro Langone não vai servir apenas a cientistas e acadêmicos. Terapeutas interessados em conduzir tratamentos para distúrbios mentais com a ajuda de psicodélicos poderão também ser treinados por lá.

A NYU não é novata no assunto. Atualmente, a universidade já abriga dois estudos em Fase 2 com psilocibina (substância extraída dos chamados cogumelos mágicos): um para tratar abuso de álcool, e outro para depressão. A pesquisa mais avançada está em um teste com MDMA para estresse pós-traumático, que já está em Fase 3.

O NYU Langone Center for Psychedelic Medicine é apenas mais um centro de estudos dedicado aos psicodélicos aberto nos últimos tempos. Em janeiro de 2021, foi a vez da faculdade de medicina Mount Sinai, também em Nova York, abrir um instituto. Lembrando que o Center for Psychedelic and Consciousness Research, da Universidade Johns Hopkins, que produz alguns dos mais importantes estudos sobre o assunto no mundo, tem apenas um ano de idade.

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LINK: https://www.forbes.com/sites/amandasiebert/2021/02/25/nyu-langone-establishes-center-for-psychedelic-medicine-with-10-million-from-mindmed-philanthropists/?sh=60a691492256 

A obrigação moral de estudar os psicodélicos

Depois de terem passado décadas de castigo nos laboratórios do mundo, as substâncias psicodélicas voltaram a ser estudadas – e foram recebidas com interesse por cientistas e psiquiatras. LSD, MDMA, psilocibina (a substância extraída dos popularmente conhecidos “cogumelos mágicos”) e outros estão chamando a atenção das comunidades científicas para tratar justamente aquelas doenças que a medicina tem penado para contornar: os distúrbios mentais – principalmente o estresse pós-traumático, a depressão e o vício.

A revista americana Cerebrum de janeiro de 2021 entrevistou especialistas do Imperial College London, da Universidade da Califórnia San Diego, da Universidade Columbia, entre outros para comentar os sucessos dos psicodélicos, suas possíveis atuações sobre o cérebro humano – e também dos cuidados que devem ser tomados em sua administração.

É compreensível a vontade de promover cada vez mais estudos com essas substâncias: os resultados são simplesmente encorajadores demais. Um teste conduzido pela Universidade Johns Hopkins, em que pacientes com casos de depressão grave receberam psilocibina juntamente com sessões de terapia, resultou em efeitos positivos “impressionantes” em 70% dos voluntários. Esse é um desempenho dificilmente alcançado por antidepressivos tradicionais.

O acúmulo de pesquisas também está jogando luz sobre outro imenso desafio da ciência: entender o funcionamento do cérebro humano. Ao analisar os efeitos dos psicodélicos sobre os nossos neurônios, cientistas esperam também entender a função de certas redes cerebrais, como as que regulam os sentidos e a memória.

Um exemplo é um outro experimento da Johns Hopkins, feito com DMT, uma substância presente na Ayahuasca, no qual os pacientes relataram ter se conectado com deuses, anjos, fantasmas e outros seres espirituais. Os voluntários que descreveram essa experiência em seguida sentiram efeitos positivos e duradouros sobre si mesmos, seus humores, a vida e as outras pessoas. Assim, resta a pergunta: quais áreas do cérebro estão relacionadas a essas sensações espirituais – e como elas podem ajudar a tratar pessoas com depressão, por exemplo?

Claro que é preciso cautela no meio de tantas novidades. Uma moda recente sendo aderida principalmente no Vale do Silício, na Califórnia, é a microdosagem: o consumo de psicodélicos em doses muito pequenas, que supostamente aumentariam a criatividade e a produtividade. Não existe, porém, nenhuma prova de que esse tipo de consumo possa gerar esse efeito – ou que ele sequer seja seguro. Um dos pesquisadores entrevistados pela Cerebrum sugere que as sensações descritas não passem de placebo.

Ainda assim – somando os efeitos possivelmente nocivos aos resultados promissores e aos relatos de um bem-estar tão profundo dos pacientes – os autores da Cerebrum defendem: fazer pesquisas sérias e cuidadosas com os psicodélicos se tornou uma obrigação moral para a ciência.

LINK: https://online.flippingbook.com/view/362247/29/

Psicologia ou química? Afinal, por que os psicodélicos funcionam?

Psicodélicos são eficazes para tratar distúrbios mentais graças à ação das substâncias no cérebro humano – ou por causa dos impactos alucinógenos e psicológicos que geram nos pacientes? Eis a pergunta de um milhão de dólares.

A mais recente e acalorada controvérsia entre pesquisadores de substâncias psicodélicas não é exatamente nova. Desde que começaram a ser investigados, cientistas vêm debatendo se é necessário ou não ter experiências de alteração de consciência para que esses agentes funcionem – sem respostas conclusivas até agora.

Recentemente, novas informações surgiram para esquentar a discussão.

Na atual edição especial sobre psicodélicos da revista ACS Pharmacology and Translational Science, o cientista David Olson, da Universidade da Califórnia, sugere que seja possível separar os efeitos subjetivos das substâncias de seus efeitos sobre as sinapses cerebrais. Para isso, ele cita alguns resultados recentes de seu laboratório. Nos estudos conduzidos por ele, foram usadas moléculas novas, sintetizadas no próprio laboratório, análogas a outras substâncias psicodélicas mais conhecidas, como a ibogaína ou a 5-MeO-DMT, também chamada de 5meo. Os resultados, bastante detalhados e de qualidade impressionante, sugeriram que elas podem modificar a plasticidade cerebral e o comportamento depressivo, mesmo sem causar efeitos alucinógenos. Ele chama essas novas moléculas de “psicoplastógenos”.

Se a hipótese for comprovada, o autor propõe que os efeitos subjetivos possam não ser necessários para se obter respostas terapêuticas – o que viabilizaria o uso em larga escala desses tratamentos, uma vez que dispensaria a psicoterapia comumente associada aos tratamentos clássicos com psicodélicos. O acompanhamento psicológico estendido e individualizado é, hoje em dia, o grande gargalo desse tipo de terapia para a população em geral.

Mas – e sempre há um “mas” -, existe uma importante limitação nessa conclusão. Os estudos do Dr. Olson até agora foram todos feitos em roedores. E, como se sabe há anos, modelos animais em psiquiatria costumam ser bem limitados. Os problemas já aparecem de início: como discernir com certeza quais drogas têm efeitos psicodélicos e quais não, se os participantes são roedores?

No início da pesquisa psicodélica, modelos animais não foram muito úteis.  Ainda nos anos 50, inúmeros laboratórios falharam ao tentar isolar a psilocibina e a psilocina dos cogumelos Psilocybe a partir de experimentos com roedores. Só foi possível isolar esses princípios ativos apenas quando o químico suíço Albert Hofmann resolveu ingerir por conta própria os cogumelos. Hofmann, o inventor do LSD, conseguiu determinar, graças a sua experiência subjetiva, que se tratavam de triptaminas semelhantes.

Mas as limitações dos modelos animais vão além das pesquisas com  psicodélicos, especificamente. Alguns estudos estimam que 92 a 96% das moléculas utilizadas em testes com animais fracassam nas etapas de pesquisa clínica – que são realizadas com voluntários/as humanos. No caso da depressão, um distúrbio complexo e de difícil tratamento, críticos apontam há décadas que as limitações dos modelos animais são parte importante do problema.

O outro lado

Já outro artigo da mesma edição especial dedicada aos psicodélicos defende o exato oposto do proposto por Olson. Os pesquisadores David Yaden e Roland Griffiths, da Universidade Johns Hopkins acreditam que a experiência psicodélica subjetiva seja, sim, necessária para atingir resultados terapêuticos. O grupo de pesquisa da Johns Hopkins é um dos mais antigos no mundo, funciona desde meados da década de 90 e foi um dos grandes responsáveis pela chamada “renascença psicodélica”. Lá já foram realizados estudos de psilocibina em pacientes terminais, com depressão, tabagismo, voluntários saudáveis e até mesmo em monges durante a meditação.

Os estudos da John Hopkins indicam que os resultados terapêuticos para tratar depressão e tabagismo, por exemplo, são notoriamente mais relevantes quando os efeitos subjetivos dos pacientes são mais intensos, e incluem algumas características particulares, como catarses emocionais ou experiências místicas. A diferença de resultados persiste até mesmo em análises estatísticas.

Correlação, sabemos, não indica causalidade – mas os pesquisadores entendem que já exista um grande número de estudos mostrando estas correlações, o que poderia apontar para uma possível relação de causa e efeito. Estudos qualitativos, que olham para as interpretações dos pacientes, também indicam a mesma direção.

Mas há uma maneira de resolver esse imbróglio de anos. Todos os três autores concordam que o caminho está em um estudo que administre psicodélicos a pacientes totalmente anestesiados. Assim, se for demonstrado que os voluntários não tiveram experiências conscientes durante a anestesia (o que acontece em alguns casos), nem detiveram memórias do evento, e  ainda assim alcançarem resultados terapêuticos duradouros, venceria a hipótese de que os efeitos psicodélicos não seriam necessários para o tratamento.

Curiosamente, controvérsias como essa existem desde o início do envolvimento da ciência ocidental com as substâncias, geralmente extraídas de cogumelos e plantas. Historicamente, a maior parte dos cientistas costumava interpretar os efeitos alucinógenos ou psicotomiméticos de forma pejorativa e patologizantes, enquanto que uma minoria outros exagerava o impacto da experiência subjetiva, especialmente do tipo mística, acreditando estar justamente aí a solução para inúmeros problemas globais.

Seja como for, fato é que muitos pacientes que vivem experiências psicodélicas subjetivas em contextos seguros e acolhedores as classificam como alguns dos acontecimentos  mais importantes de suas vidas. Esses relatos reverberam o conhecimento de povos tradicionais de todas as regiões do mundo, que utilizam plantas de poder e cogumelos há séculos, senão milênios.

Diante de tudo, o que fica claro é que a administração controlada e cuidadosa de psicodélicos em contextos de psicoterapia realmente tem resultados terapêuticos espetaculares – algo de que vamos precisar cada vez mais para enfrentar este imprevisível século 21.

Texto de Karin Hueck

Experiência psicodélica não é surto psicótico

A ingestão de psicodélicos costuma vir acompanhada por muitos temores – e preconceitos – da população em geral, mas também por profissionais da saúde. Um dos maiores é a percepção de que a experiência psicodélica possa ser parecida com surtos psicóticos, como os causados por esquizofrenia, por exemplo.

Desde o século 19, cientistas afirmam que os efeitos psicodélicos são equivalentes a episódios de psicose. Quando o LSD foi inventado em 1943, pesquisadores chegaram a oferecer a substância a voluntários saudáveis em estudos, para poder examiná-los como se estivessem em estado de psicose.

Mas não é bem assim. A revista científica Schizophrenia Bulletin de novembro de 2020, publicou um estudo, conduzido por pesquisadores dos EUA, França, Inglaterra, República Tcheca, Bélgica, Suíça e Austrália, que mostra que, de fato, esses dois estados de consciência são distintos. Os pesquisadores coletaram dados farmacológicos, de neuroimagem, de fenomenologia e da antropologia para chegar a essa conclusão – e encontraram diferenças importantes.

Em primeiro lugar, confirmaram que, enquanto episódios de psicose e de esquizofrenia causam alucinações auditivas, as experiências psicodélicas provocam efeitos principalmente visuais. Isso já havia sido apontado nos anos 50, mas agora neuroimagem mostra que o efeito se deve a padrões distintos de atividade cerebral. No caso da psicose, ela ocorre em regiões de córtex associativo. Já no caso dos psicodélicos, a atividade se concentra mais no córtex visual primário.

Outra diferença importante está na percepção da realidade. Durante casos de psicose e de esquizofrenia, os pacientes sentem dificuldade em distinguir as alucinações que estão ouvindo da realidade externa. Por outro lado, a maior parte das pessoas que ingerem psicodélicos são capazes de distinguir o que, entre tudo que estão enxergando, é efeito da substância e o que está realmente no ambiente ao redor.

A literatura científica mostra que são extremamente raros os casos em que substâncias psicodélicas causem surtos psicóticos. Por isso, é importante reconhecer a diferença entre os dois quadros. Isso se torna ainda mais urgente nos últimos anos, em que as pesquisas com o uso terapêutico e clínico de psicodélicos não param de crescer, mas em que o receio com essas substâncias ainda é muito comum em muitos profissionais da área da saúde.

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Link: https://academic.oup.com/schizophreniabulletin/article/46/6/1396/5908041

Phaneros

A Covid-19 é o maior experimento científico da história

Phaneros

O maior experimento psicológico do mundo está acontecendo neste momento. E você – juntamente com todas as pessoas que você conhece – é um dos participantes. 

A epidemia de Covid-19, que já matou milhões, trouxe crises econômicas e isolou pessoas no planeta inteiro, pode ser entendida como uma grande investigação sobre a capacidade do ser humano de se adaptar a condições adversas. Pelo menos é isso que propôs a revista Scientific American, em um artigo publicado em junho de 2020. Aos cientistas agora resta a pergunta: o quão resilientes, afinal, as pessoas podem ser?

Nunca antes na história uma tragédia alcançou tantas pessoas ao mesmo tempo. Durante alguns meses da pandemia de Covid-10, os lockdowns chegaram a afetar simultaneamente 30% da população mundial, ou 2.6 bilhões de pessoas. É um número maior de gente do que a população inteira da Terra durante a Segunda Guerra Mundial. 

Pesquisas psicológicas que estudam resiliência – a capacidade de alguém de se reequilibrar após perturbações intensas – mostram que dois terços das pessoas costumam superar traumas sem maiores consequências para a saúde física e mental. Vinte e cinco por cento das pessoas passam por algum tipo de distúrbio psicológico, como depressão e estresse pós-traumático, mas se recuperam em seguida. Já o restante, cerca de 10% da população, fica com sequelas duradouras e resistentes, que podem se estender por meses ou até mesmo anos. 

A duração da pandemia e a sua abrangência mundial, porém, preocupam os pesquisadores, que suspeitam que a parcela de pessoas traumatizadas pela crise atual possa ficar acima dos 10% habituais. A consequência seria um “tsunami” de transtornos mentais em todo o planeta, com implicações graves para médicos, hospitais e sistemas públicos de saúde. 

 

Crises múltiplas

 

Para entender a preocupação, basta olhar para a natureza da pandemia. A Covid-19 trouxe consigo crises de todos os tipos: além do medo óbvio da doença, da incapacitação causada por ela e da morte, ela está causando isolamento social e afetivo, dificuldades financeiras, lutos sequenciais, crises conjugais e uma profunda perda de perspectiva. São níveis de estresse, ansiedade e paranoia sem precedentes, avaliam os cientistas. Em todo mundo, linhas telefônicas de atendimento psicológico e de prevenção ao suicídio registraram altas dramáticas. Outro indicativo é o aumento de casos de distúrbios mentais entre profissionais de saúde. 

Uma das características mais perigosas da pandemia de Covid-19 é a sua longa duração, que pode levar ao estresse crônico. Na China, por exemplo, onde a epidemia começou, estudos mostram que 35% da população relatou níveis altos de estresse prolongado. Em todo o mundo, os níveis mais altos de preocupação e ansiedade estão sendo encontrados entre jovens adultos, pessoas que moram sozinhas e quem já possui algum histórico de distúrbio mental. No Brasil, pesquisadores estão avaliando como a pandemia anda afetando os sonhos da população e já indicam: o número de pesadelos inquietantes aumentou consideravelmente. 

A boa notícia, dizem os especialistas, é que os níveis de resiliência podem ser turbinados. As técnicas são as velhas conhecidas dos médicos: dormir bem, manter uma rotina mesmo em tempos de incerteza, praticar exercícios físicos, comer bem e se conectar com pessoas. Para essa última dica, porém, não vale passar horas atualizando os feeds do celular: redes sociais, como se sabe, são notórias inimigas da saúde mental. Na dúvida, é melhor marcar um chat com uma pessoa querida. Outro conselho é começar pequenos projetos com começo, meio e fim, que possam aumentar um senso de propósito para os dias todos iguais.

A dúvida que resta é como atender à crescente demanda de casos graves. É importante notar que a psiquiatria também está passando por uma crise nesse momento, especialmente no atendimento a pacientes com condições mais severas, para os quais os tratamentos disponíveis atualmente alcançam resultados muitas vezes frustrantes. Assim, nos cabe perguntar como desenvolver e disponibilizar métodos mais rápidos, seguros e eficazes para essas pessoas – e se a Psicoterapia Assistida por Psicodélicos, foco de estudo e atuação do Instituto Phaneros, poderá ter um papel importante na sociedade brasileira pós-pandemia.