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Medicalização psicodélica: quando a mudança coletiva é vendida como individual

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Há milênios os psicodélicos têm sido utilizados em práticas culturais, religiosas e xamânicas. Nesses contextos, é comum que o uso das substâncias esteja associado a manifestações corporais, cosmovisões e crenças comunitárias partilhadas e continuamente refletidas pelos povos praticantes. No entanto, de algumas décadas para cá, os psicodélicos vêm ocupando progressivamente o status de “medicamento”, como os tantos outros disponíveis na farmacopéia ocidental. 

Essa transformação cultural em torno do uso dos psicodélicos, que passa de uma perspectiva xamânica para uma farmacológica, é liderada por pesquisas científicas, instituições de mídia e discursos de autoridades governamentais sobre drogas. 

Em artigo publicado em junho deste ano, Alex Gearin, da Xiamen University, e Nese Devenot, da Case Western Reserve University, discutem algumas das implicações que o conhecimento científico e a narrativa médica atual estão provocando em torno do uso dos psicodélicos.

A noção já muito difundida na comunidade científica internacional, de que os transtornos mentais seriam problemas de ordem cerebral, com alguma manifestação psicológica, sem levar em conta todos os processos culturais e sociais envolvidos em seu desenvolvimento, tem contribuído para a ideia de que os psicodélicos seriam meramente “corretores” do cérebro humano, sendo as experiências místicas meros apêndices da ação biológica dos psicodélicos.

O artigo ressalta como o próprio termo, “psicodélico”, com seu significado latino, “manifestação da mente”, coloca a terapia psicodélica dentro dessa noção de que o transtorno estaria na mente do paciente. Esse paradigma individualista é o modelo explicativo dominante das doenças mentais na psiquiatria psicodélica contemporânea, que atualmente parece ignorar as causas sistêmicas do sofrimento e carece de integração com abordagens de cura baseadas em apoio comunitário, bem-estar coletivo e transformação da realidade social.

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Revista Time elege tratamento psicodélico como uma das inovações mais importantes do último ano

 

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Em junho de 2021, a revista americana Time resolveu elaborar uma lista bem-humorada chamada “As 10 descobertas mais importantes da área da saúde que você perdeu por causa da pandemia”. Entre descobertas muito surpreendentes – como uma droga que aparentemente é eficaz para tratar obesidade, uma forma revolucionária de impedir que o mosquito Aedes aegypti transmita dengue, e até um embrião quimérico que mistura genes humanos com os de outros grandes primatas – estavam lá também os últimos avanços feitos com psicodélicos. 

O texto da Time:

“No ano passado, os psicoativos começaram realmente a se estabelecer como tratamentos de saúde mental de primeira linha. Em um estudo de abril, publicado no New England Journal of Medicine, 59 pacientes com depressão foram divididos em dois grupos: um recebeu psilocibina (princípio ativos dos cogumelos mágicos); o outro recebeu escitalopram (um inibidor de recaptação de serotonina já utilizado na psiquiatria há anos). Ambos receberam acompanhamento psicoterapêutico com o tratamento. Ao final do período de seis semanas de estudo, as pessoas do grupo da psilocibina tiveram melhor desempenho em uma auto-avaliação do que as que receberam o escitalopram – embora a diferença estatística fosse tímida. 

Em um estudo não relacionado, publicado na Nature Medicine em maio, 90 pessoas que sofriam de transtorno de estresse pós-traumático foram divididas de forma semelhante em dois grupos, um dos quais recebeu três doses de MDMA. O outro recebeu placebo. A conclusão: 67% das pessoas que haviam tomado MDMA não preenchiam mais os critérios para um diagnóstico de trauma, comparado com 32% do grupo de placebo. Múltiplas startups – incluindo Cybin com base no Canadá e Compass Pathway com base no Reino Unido – estão trabalhando para comercializar o uso de psicoativos para fins terapêuticos.”